segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Crónica Social - Vida fragmentada


É este o título de um livro de Zygmunt Bauman, que ando a ler.
O velhinho sociólogo e filósofo polaco que morreu em Janeiro deste ano, deixou uma vasta obra que expõe a face desumana do capitalismo, numa posição bastante crítica à pós-modernidade. Mas tem uma forma de escrever, complexa é verdade, mas próxima da linguagem das pessoas comuns – o que me agrada.

Ficou mundialmente conhecido pelo seu conceito de Modernidade Liquida, onde defende que as ideias de emancipação, individualidade, tempo/espaço, trabalho e comunidade estavam a mudar com rapidez e de forma imprevisível.
A sua noção de liquidez é aplicada aos mais variados temas como as relações entre os indivíduos, o medo, o amor, a vida e o tempo.

Na sua obra Amor Liquido, as relações amorosas deixam de ter aspecto de união e passam a ser um mero acumular de experiências, sendo a insegurança parte estrutural da constituição do sujeito pós-moderno e a fluidez, uma espécie de facilidade que faz com “as relações escorram pelos dedos”.

Ele faz uma oposição, no que respeita à questão da construção identitária, dizendo que o problema da identidade moderna era o de construir uma identidade sólida e estável, em estado durável; enquanto o problema da identidade pós-moderna é o de como evitar a fixação e manter as opções em aberto, numa identidade em projecto, procurando saber, em cada tempo e em cada espaço, onde nos colocamos, na variedade de estilos e de modos.

Passe a simplificação do seu pensamento complexo, esta é uma ideia que me interessa. Como também me interessam as 4 estratégias da vida pós-moderna que ele identifica. 

À vida moderna como Peregrinação, em conflito com o lugar (conflito herdado da cultura judaico-cristã), num recomeço perpétuo a caminho de um destino que, apesar de tudo, tem confiança na linearidade e cumulatividade do Tempo, ele contrapõe 4 sucessores do Peregrino:

·   O Deambulador, que tem a cidade como seu covil;
·   O Vagabundo, sem senhor e sem itinerário;
·   O Turista, que nunca é parte de um lugar e é um caçador de experiências movido por critérios estéticos;
· O Jogador, num mundo maleável e com ‘golpes de sorte’, onde há apenas movimentos, mais ou menos inteligentes, perspicazes ou desorientados.
Esta leitura de Zygmunt Bauman aumenta inquietações mas também reforça convicções no sentido de uma apropriação mais inteira no espaço e no tempo da vida que vivo. Com uma ideia de construção de uma sociedade melhor, da qual não abdico.


Os “residentes instalados”, como ele lhes chama, descobrem que os lugares (na terra, na sociedade e na vida) aos quais pertencem já não existem ou já não os protegem: as ruas estão ameaçadoras, as fábricas e empregos desaparecem todos os dias, as competências já não servem, os saberes tornam-se ignorância, a experiência profissional torna-se um ónus e as redes de relações seguras desfazem-se.

Não é fácil superar a perplexidade que estas condições induzem. Mas a existência privatizada propõe imensas satisfações e algumas penas. Das primeiras salienta: a liberdade de escolha, a oportunidade de tentar múltiplos estilos de vida, a ocasião para cada pessoa se fazer à medida da imagem que faz de si própria; das segundas: a solidão e a incerteza em relação às escolhas feitas e por fazer.

A identidade, vista como a linha divisória entre a identidade socialmente reconhecida e a identidade imaginada a título individual, não esquece a ‘necessidade de pertença’ como membros de uma comunidade maior.
E aqui surge a comunidade, agora saudada como expressão das formas de vida herdadas, como repositório de culturas e tradições novamente valorizados. E novamente idealizados.

O pensamento social, diz ele, sempre foi dado a repetir histórias.
Podemos dizer que a maior parte das atividades da nossa vida tendem hoje a ser fragmentadas, episódicas e sem consequência. Uma colecção de acontecimentos, cada um deles desligado dos outros – “os escândalos e demonstrações de incapacidade que invadem a atenção do público tem a qualidade de fazer desaparecer da memória os escândalos e demonstrações de incapacidade do passado”.

Vivemos em sociedades fortemente marcadas pelo conflito entre ter e ser, nas quais nos expressamos pelo que temos, sendo as posses que se transformam em elementos definidores da identidade.
O modo como as cidades se dividem é exemplo dessa busca pela conformidade que segrega o que é diferente, estranho. Os muros que construímos, físicos ou emocionais, têm esse condão de isolar e criar lados, o de dentro e o de fora. Onde o espaço de fora é lugar cativo dos que nos incomodam, pessoal e/ou socialmente.
A humanidade contemporânea tem uma questão central por resolver, segundo ele, que é a de harmonizar a diversidade em polis reinventadas.

Precisando para isso de transformar consumidores em construtores, cidadãos persistentes e responsáveis e de “uma comunidade política de pleno direito, capaz de auto-reflexão e de si corrigir a si própria, por outro.”
Destas leituras complexas que faço em modo vadio, destaco uma mensagem simples – amar é uma ato revolucionário, uma nota de solidez e coragem que nos impulsiona e ser melhores como pessoas e como sociedades
E como a vida são dois dias, e o Carnaval[1] que se aproxima são três, achei que era um bom mote para tornar a vida menos fragmentada.

   Isabel Passarinho


[1] O Carnaval é uma festa de origem pagã com origem na Grécia antiga para agradecimento aos deuses e associada a música e disfarces. Na versão gaulesa, era a grande festa do Inverno que promovia a brincadeira e a estravagância.
Em 590 d.C.foi uma comemoração adoptada pela Igreja Católica, antes da Quaresma. Tradicionalmente marcava o jejum, com abstinência de alimentos de origem animal, em particular o ‘adeus à carne’.
O Carnaval tem 3 dias ‘gordos’ em contraste com o tempo de reflexão espiritual, penitência e privação instituído pela Quaresma.

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