quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Crónica Social - Na rota dos festivais de Verão

Fora de Tempo. Ainda sobre Festivais de Verão…


Embora o Outono se instale, só agora gozo um período de férias. Férias que, cada vez mais, significam um tempo de distância em relação aos ritmos, aos lugares e às pessoas que preenchem o quotidiano de rotinas marcadas pelo trabalho.

Há já vários anos que dou um destino diferente a este tempo. Diferente porque o orçamento disponível não aconselha viagens de lazer. Mas diferente também porque o lazer já não tem o mesmo significado de oposição ao trabalho.Tento agora conciliar vertentes aparentemente inconciliáveis – descanso, resolução de problemas práticos adiados, outros trabalhos e experiências novas que permitam aprendizagens.

Nesta última vertente tenho beneficiado de uma rede de amigos com quem é possível estar/trocar/colaborar. Gente do Movimento de Transição, da tribo da Permacultura, gente que procura modos de vida ambiental e humanamente mais amigáveis. Nas cidades e fora delas surgem pessoas e famílias que se atrevem a construir vidas que não se centram no emprego e tentam emancipar-se do consumo e dos empréstimos bancários. Está em curso um movimento esperançoso de modos de vida alternativos ao mainstream.  

Gente com capital cultural e educativo, de todas as idades e condição, de filosofias diferentes, com posições críticas face ao capitalismo de casino e comprometidos com a urgência de nos tornarmos mais sustentáveis. Conseguem viver com muito menos dinheiro, alguns deixaram os trabalhos ou estão reformados, voltaram à terra e a economias de subsistência, outros mantem actividades artísticas ou de outro tipo com vínculos liberais. Vivem todos com orçamentos muito mais reduzidos e estão ligados em redes, integrando-se com as comunidades locais de acolhimento.

Na minha itinerância fui a Santo André e Lisboa, sempre, com particular destaque para a renovada Mouraria. O período maior fui para a Beira, uma zona lindíssima entre Côja e Avô, entre as Serras do Açor e Estrela. Uma natureza ainda pujante, um património cultural e arquitectónico muito rico e muita gente, nacional e estrangeira a tentar reinventar modos de vida.

Em Agosto participei em dois Festivais que estão também ligados a este Movimento – o Andanças, na Barragem de Póvoas e Meadas em Castelo de Vide e o Bons Sons, na Aldeia Cem Soldos, em Tomar. Existe em Portugal uma razoável oferta, tendo em conta o tamanho do país, de festivais de Verão - arrisco dizer que existem Festivais para todos gostos, bolsos e feitios. Os adolescentes e os jovens adultos são os seus maiores fãs. Mas não são só eles. Também existem frequentadores menos jovens, de todas as idades. Imagino que também as motivações que estão por detrás das escolhas sejam diversas.

Sem enjeitar o valor económico destas iniciativas e uma espécie de efeito Disneylândia com recintos que funcionam como reservas temáticas, mais ou menos tribais, o certo é que vivi em ambientes amigáveis, descontraídos, participativos e com ofertas culturais de grande qualidade. Para mim funcionaram ao jeito de residências artísticas ou melhor dito, foram uma espécie de imersão antropológica em territórios não habituais. Ir a estes Festivais foi garantia de não encontrar pessoas do meu ciclo profissional e até pessoal – até por isso foi refrescante e permitiu conhecer outras formas de entender a vida. Descobrir. Compreender. Aprender.

Admito que, para uma fatia de participantes, o efeito Disney regado a cerveja talvez seja o móbil. Para os mais jovens, imagino que os festivais sejam uma espécie de ritual de iniciação ou de passagem em que experimentam sobreviver fora do controlo parental e do apoio familiar. Ou ensaiam tempos de vida de casal e/ou de grupo. Claramente, uns conseguem melhor que outros. Estes Festivais criam reservas de bom trato, de amizade, de alargamento de horizontes culturais, de possibilidades protegidas de experimentação. São organizados colaborativamente por associações que defendem e praticam valores que me são caros - claramente são contextos de educação não formal.

Brevemente:

§  FESTIVAL ANDANÇAS

Foi a vigésima edição, a terceira no Alentejo, perto de Castelo de Vide; sendo que a maioria dos Festivais anteriores foram em S. Pedro do Sul.

A Associação que promove este Festival é a PédeXumbo, de Évora. Sobre o conceito que está na génese deste Festival, pode ler-se no site:
O Andanças é um festival que promove a música e a dança popular enquanto meios privilegiados de aprendizagem e intercâmbio entre gerações, saberes e culturas. Com um olhar dos dias de hoje, o Andanças propõe-se reavivar hábitos sociais de viver a música retomando a prática do baile popular através de múltiplas abordagens às danças de raiz tradicional, portuguesas e do mundo, com vista à recuperação das tradições musicais e coreográficas, fundindo-as com elementos contemporâneos.´

 

 A Associação PédeXumbo promove desde 1998 a música e a dança tradicional.
Uma equipa profissional dedica-se à recuperação e divulgação destas práticas culturais, através de registos, coproduções, criações artísticas, investigação e através do ensino formal e informal destinado a todas as idades. A PédeXumbo também organiza festivais em todo o país e programa regularmente no seu próprio espaço, em Évora, oficinas, concertos e bailes para vários públicos.

O cartaz dos sete dias (3 a 9 de Agosto) tem uma programação ininterrupta e com propostas múltiplas desde as 10h até às 3 ou 4 da manhã. Espalhado por um recinto natural fantástico, tem um forte compromisso de sustentabilidade ecológica.
Uma das intenções é promover a visão sistémica e de ciclo-de-vida dos processos de produção e consumo, de produtos e serviços, com objetivos idealizados de "zero desperdício", procurando fechar ciclos – à escala local, regional, e nacional –, e contribuir para um consumo e modos de vida mais sustentáveis. (…) a demonstração e partilha de melhores práticas ambientais, sociais e económicas contribui para o desenvolvimento de uma consciência e de uma cultura mais sustentáveis. Até porque muitas vezes nos esquecemos de pensar nas consequências das nossas ações e de procurar ativamente alternativas. No Andanças, a forte adesão dos participantes às práticas adotadas confirma esta aposta.
 

De facto, viver o Andanças é isto. O encontro e a partilha. Dançar, ouvir música, atrever-se a tocar um instrumento, a pintar, a construir qualquer coisa, a participar num coro mandado. Fruir, da paisagem, do ambiente, dos debates, da música que se toca por todo o lado, de estar em comunidade e em paridade. De celebrar a vida.
De resto, é mais fácil viver o espírito deste Festival do que contar como foi.


§  FESTIVAL BONS SONS

Esta sexta edição do festival que se assume ser da música portuguesa decorreu no terceiro fim-de-semana de Agosto, na Aldeia de Cem Soldos, perto de Tomar. É organizado pela associação cultural local SCOCS e pretende ser uma plataforma de divulgação da música portuguesa, quer a consagrada, quer os projectos emergentes.
Mais do que um festival de música portuguesa, o BONS SONS é uma experiência única. A Aldeia de Cem Soldos é fechada e o seu perímetro delimita o recinto que acolhe 8 palcos, cada um dedicado a uma linha programática, perfeitamente integrados nas suas ruas, praças, largos, igreja e outros equipamentos.
Além desta característica, o BONS SONS promove uma relação de proximidade com o seu público, envolvendo a população na realização do Festival. São os habitantes que acolhem e servem os visitantes, numa partilha especial entre quem recebe e quem visita, proporcionando a vivência ímpar de um evento musical. A selecção criteriosa do programa, o recinto único que é Cem Soldos e o envolvimento da população na realização do Festival são marcas que distinguem o BONS SONS da oferta cultural nacional. A par da formação de públicos, o BONS SONS tem como principal meta o desenvolvimento local através da fixação dos mais jovens e da potenciação da economia local.
Quando chegamos e colocamos a pulseira somos convidados a fazer parte da aldeia, a partilhar os seus lugares e a conhecer os seus habitantes e tradições. Durante 4 dias vivem-se os palcos de música, as exposições, as conversas e as variadas actividades que animam ruas e largos.
Hoje, com cerca de 1.000 habitantes, Cem Soldos tem um verdadeiro espírito comunitário e mantém as suas tradições vivas e actuais, registando grande envolvimento nas actividades locais, como é o caso da animada Festa da Juventude em Agosto, a peculiar Festa da Aleluia na Páscoa e a poderosa fogueira de Natal. Em 1192, no reinado de D. Sancho I, já existia registo do lugar de Cem Soldos. Conta-se, numa versão da história, que o nome de Cem Soldos deriva de ter havido nesta povoação um destacamento militar de cerca de cem homens, aos quais, periodicamente, eram enviados “100 soldos” para o pagamento dos seus serviços.
 

O Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS) é a associação cultural local que, desde 1981, tem por missão promover o bem-estar social, cultural, desportivo e recreativo da população, privilegiando o desenvolvimento mútuo da Associação e da Comunidade nestas vertentes. O SCOCS tem assegurado a criação de uma dinâmica social excepcional, sendo responsável pelo envolvimento comunitário, formação e empreendedorismo de muitos jovens de Cem Soldos, cujo resultado mais mediático é o festival que se tornou nacional: o BONS SONS.
O ambiente é miscenizado entre os habitantes autóctones mais antigos e mais recentes (já é muito difícil encontrar verdadeiros rurais nas nossas aldeias), as tribos artísticas, muitos jovens adultos maioritariamente com pronuncias do centro e do norte, os estrangeiros jovens e menos jovens que vêm pela música, pelos artistas de renome e/ou pelo projecto da Aldeia. O objectivo final deste festival é o de retribuir à aldeia o esforço e o envolvimento, com aplicação das verbas em iniciativas sociais e culturais que beneficiam a sua comunidade.
A par do papel de formação de públicos, o BONS SONS tem como principal meta o desenvolvimento local, através da fixação dos mais jovens e da potenciação da economia local. Assim, faz parte de um plano maior que tem como base a valorização e a capacitação da população local, a criação de postos de trabalho e a promoção do espírito comunitário.


Isabel Passarinho

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