sábado, 6 de junho de 2015

Festival Eurovisão da Canção: representação cultural do país ou desperdício de dinheiros públicos?

Mais um ano passado, mais um fracasso da representação Portuguesa no Festival Eurovisão da Canção, certame único a nível europeu que junta anualmente, há 60 anos, talentos musicais dos quatro cantos da europa.

Aproveitando a deixa da apresentadora Joana Teles, que disse, e muito bem, que este festival, quando apareceu, fazia parar o país, urge aos organizadores, promotores e financiadores (vulgo, povo português) da participação nacional no festival da canção, perceber o porquê de tal sucesso e interesse se ter esbatido ao longo das décadas em Portugal. Esse processo de entendimento seria sem dúvida, um bom começo para que se possa mudar, melhorar e corrigir, o modelo medíocre e ineficaz que vem sendo usado de há uns anos a esta parte.

Mas cada coisa a seu tempo. Comecemos por onde se deve, o princípio; o Festival RTP da Canção, que escolhe, através de júri (os compositores das músicas a concurso) e do voto popular, o representante nacional no Festival Eurovisão da Canção.


Fig. 1: A vencedora do Festival RTP da Canção 2015 - Leonor Andrade

E porque nem tudo é desgraça, começo por salientar um ponto positivo na edição de 2015 do Festival RTP da Canção, a inclusão de banda em palco que dá, para além de credibilidade (e bem que ela é precisa), o ar de que realmente se trata de um festival de música na televisão, ao invés de uma montra de jingles publicitários.

Parabéns pela iniciativa e pela coragem de querer melhorar e tornar o festival mais autêntico.

Infelizmente, outras apostas não correram tão bem.

O conceito de dar espaço a novas e velhas glórias do festival na abertura do mesmo, permitindo que estas apresentem os anfitriões da gala, está interessante e podia acrescentar valor ao programa, se dois pressupostos simples fossem cumpridos: o primeiro, é que se tratam de glórias do festival (Suzy?) e o segundo, é que conseguem articular palavras e fazer frases com nexo (Suzy?). Felizmente, na 2ª semi-final, o par composto por Lúcia Moniz e Eládio Clímaco fez muito melhor figura, em ambos os capítulos, do que a parelha Suzy – António Calvário, que abriu a 1ª semi-final.

Em termos musicais, o Festival RTP da Canção, apresentou-nos 12 músicas de 12 intérpretes nacionais, nas quais quero destacar pela positiva um interessante equilíbrio entre a aposta em jovens talentos (a mais nova intérprete, Rita Seidi, tem 17 anos), e nomes conhecidos e muito mais experientes como Adelaide Ferreira e Simone de Oliveira. Pela negativa destaco a falta de diversidade musical, apostando-se, mesmo comparando com outros anos, em receitas gastas e datadas, que já nem o nosso pequeno Portugal entusiasmam, e a falta de vontade, coragem ou saber para desenvolver a fundo os conceitos apresentados, nomeadamente a nível cénico, caindo-se na monotonia e vulgaridade, raramente aproveitando as potencialidades dos temas apresentados. Exceptuando um honroso par de músicas, faltou carácter, força e acima de tudo espectáculo, a músicas que, de resto, até conseguiram, em alguns casos, trazer a palco boas vozes, boas letras e composições interessantes.

“Lisboa, Lisboa” foi a música de Sara Tavares e Kalaf Epalanga a que Rita Seidi deu voz. Com uma ritmicidade muito própria e dando uso às influências africanas, este tema apresentou-se como uma música quente, bem-disposta e fácil de ouvir, o que não fez dela uma grande candidata ao prémio ou uma canção fenomenal por valor próprio. Uma letra longe de ser extraordinária (talvez pela urgência em ser feita, como disse a Sara) e a necessidade de uma voz mais cheia, dinâmica e potente (quiçá a da Sara), que, sem desmérito para a intérprete, Rita Seidi não tem, deitaram por terra as ambições deste grupo de trabalho.

Miguel Gameiro, dos Pólo Norte, compôs uma música interessante, com uma base mais rock, que com uma interpretação algo insegura de Leonor Andrade na semi-final, conseguiu ainda assim chegar à final, onde, com mais confiança na voz, fez por ganhar uma viagem a Viena. Claramente mais confortável nos registos mais baixos da música mas sem destoar nos agudos, mesmo após uma subida de tom, Leonor trouxe à música um ar de, quase Amor Electro, faltando à voz a capacidade de encher o palco com a sua presença e pecando por uma notória falta de investimento em produção cénica, que foi aliás, uma das grandes limitações da maior parte das participações neste festival.

Filipa Baptista foi a eleita por Augusto Madureira para interpretar o seu tema “A noite inteira”, num registo de pista de dança. Filipa teve a falta de sorte ou de gosto (ou as duas), de ir ao Festival RTP da Canção representar Suzy, a vencedora do ano anterior. Tudo na sua interpretação fez lembrar a actuação de Suzy em 2014 (à excepção do peito). Letra medíocre, ritmo e melodias banais e uma… coreografia/interacção com um dançarino, que nos põe a pensar se estes profissionais são devidamente pagos por aquilo que têm que passar. Filipa não tem, de todo, má voz, mas nesta actuação foi só isso que teve a seu favor.

Fig. 2: Filipa Baptista in Suzy 2

Nuno Feist e Nuno Marques da Silva foram compositor e letrista de uma das poucas obras que arrancou aplausos espontâneos entre a audiência do programa. “Outra vez Primavera” contou com uma composição interessantíssima, óptima interpretação musical, e uma fantástica, potente, e bastante expressiva voz de Yola Dinis, tudo acompanhado por uma letra digna de ser chamada poema. Infelizmente, e apesar de se ter apurado na 1ª semi-final, o fado de Yola não conseguiu nem o voto do público, nem o dos compositores (?) e ficou-se pelo 4º lugar na final nacional.

Foi o sobrinho de José Cid que compôs e interpretou “Tu tens uma Mágica” mas podia ter sido o septuagenário cantor, pois Gonçalo Tavares é uma cópia a papel químico de Cid (que colaborou na fantástica letra), sem a franja e com 30 anos a menos. Mas as diferenças acabam aí. Uma frase repetida durante 3 minutos, 4 acordes no piano com uma ritmicidade e melodia que nos levam 30 anos para trás (o que não é necessariamente bom), e os tiques de cabeça, fizeram-me sentir num lagar. Curiosamente, esta obra conseguiu o voto do júri, quer na semi-final, quer na final, o que, de todo, não abona a favor dos compositores.

Adelaide Ferreira foi Adelaide Ferreira. A sua presença trouxe, tal como a de Simone de Oliveira, uma maturidade diferente ao festival. No entanto, ao contrário de Simone, que chegou à final, a música que Adelaide trouxe consigo, não conquistou os Portugueses. “Paz” tinha uma mensagem mas faltou-lhe a força e a elaboração para a fazer chegar ao público. Nem a postura e voz expressiva, nem a habilidade teatral da cantora compensaram uma música regular, que não encaixou particularmente bem no conceito do festival e que não puxou pela voz de Adelaide como outros temas que interpreta.

E assim se fecha a 1ª semi-final.

Fig. 3 - Yola Dinis, uma grande cantora

A 2ª trouxe-nos uma melhor apresentação, mais natural e fluída, com a dupla Sílvia Alberto – José Malato, e alguns temas interessantes.

Começando por “Quando a lua volta a passar” de Sebastião Antunes. Tenho que confessar que Sebastião tem uma sonoridade que me apraz, gosto da influência country presente nos seus trabalhos, e da maneira particular de cantar histórias através da música. No entanto, desta feita, Sebastião não foi feliz na escolha da intérprete. Rubi Machado não soube ou não conseguiu soltar-se e dar a leveza, alegria e agilidade que a música exigia, tendo resultado num estranho contraste entre uma composição viva e dinâmica interpretada por uma cantora pesada e mortiça na sua voz.

Churky usou a potente voz de José Freitas para dar vida a um blues ao estilo de Elvis Presley que, sendo diferente do habitual no programa, mostrou bom serviço e mais que mereceu o lugar na final nacional. A lamentar fica a produção cénica que, neste programa, parece consistir exclusivamente em gente a dançar em fundo. Não acrescenta nada a esta música, não encaixa no estilo musical e é foleiro que dá dó, inovem.

Teresa Radamento interpretou “Um fado em Viena” de Fernando Abrantes e Jorge Mangorrinha, um fado-valsa de composição simples e melodia alegre. A voz acompanhou de maneira razoável, tímida a princípio, mas crescendo em confiança ao longo da música. Apesar da música se ouvir bem, Teresa Radamanto, não é uma voz genial, e as suas limitações são evidentes na canção. Cenicamente pobre.

Simone de Oliveira apresentou um belo poema de Tiago Torres da Silva, com uma composição à altura por Renato Júnior. Simone fez valer a sua experiência, segurança inabalável e grande carisma. A apontar fica a opinião de que, o que a música tem em harmonia não tem em força para acompanhar a grande expressividade de Simone. Uma música, não obstante, interessantíssima, com todo o potencial para vingar fora do festival.

Fig. 4 - Cheia de garra e expressividade, Simone de Oliveira

Héber Marques compôs e Filipe Gonçalves cantou “Dança Joana”, um tema num registo pop, bem ao jeito do festival da canção. De longe, o mais expressivo dos intérpretes (exceptuando talvez Simone, mas num registo completamente diferente), com muito à vontade, interactividade e presença em palco. Apesar do cheiro a verão, uma letra pouco inspirada pode ter pesado contra “Dança Joana”, que não passou da semi-final.

O tema “Maldito tempo” de Carlos Massa foi desqualificado por não cumprir os regulamentos do concurso pois, apesar de original, não era inédito, o que, estando para além de argumentação (o regulamento factualmente foi incumprido), é uma pena, pois a voz de Diana Piedade é um portento, a interpretação foi fluída e enérgica e o duo cénico com um dos músicos, deu uma dinâmica a este nível que faltou às restantes apresentações.

De toda esta mescla saiu como vencedora Leonor Andrade com “Um mar que nos separa”. Não foi a melhor composição, letra, voz ou actuação do festival, mas, foi a representante escolhida. Na actuação em Viena, Leonor Andrade até nem se portou mal, cantando com confiança e esforçando-se para interagir com o público mas sem ter o carisma de uma Lúcia Moniz e com uma péssima escolha de indumentária e postura que, vá-se lá saber porquê, parecia sugerir uma improvável e pouco conseguida mistura entre rock e fado. A música interessante e a voz que não envergonha esbarraram no vazio cénico que engoliu Leonor, e resultou numa prestação muito abaixo de alguns dos seus concorrentes e na consequente eliminação na semi-final do Festival Eurovisão da Canção.

Fig. 5 - Conchita Wurst, cantor Austríaco, vencedor do Festival Eurovisão da Canção em 2014

Nas últimas 10 participações (de 2004 em diante pois tivemos um interregno em 2013), Portugal chegou à final apenas em 3 (2008, 2009 e 2010), e vai sendo tempo de a RTP repensar o modelo de recrutamento (e quiçá até o de seleção) que aplica. Abrir as portas a mais compositores, através de concurso e pré-seleção, poderia trazer mais e melhores temas, géneros musicais e intérpretes, em contraponto como o actual sistema de convite de compositores, sabe-se lá sujeito a que critérios (ou falta deles). Este seria, a meu ver, um ponto de partida, não só para renovar o interesse dos Portugueses, que passariam a associar mérito e qualidade a uma presença no festival, como para melhorar as miseráveis classificações frequentemente obtidas pelos nossos representantes.

Num certame internacional em que se investe dinheiro público, quer-se o melhor que se faz musicalmente em Portugal, um país recheado de excelentes compositores, músicos e intérpretes, algo que não é possível com este modelo de portas fechadas.

Se o Festival RTP da Canção é um programa de entretenimento, o que se exige da televisão pública, é que garanta entretenimento de qualidade e, assim, certamente, os Portugueses responderão em conformidade, com o seu apoio e entusiasmo que, de resto, é bem visível noutros países europeus que continuam a investir forte na sua representação no Festival Eurovisão da Canção, com ganhos não só culturais, mas também económicos.

Até lá, estamos condenados a deitar dinheiro ao desbarato e a vermos a nossa representação musical, ficar à sombra de grandes colossos da música europeia, como o Chipre, o Azerbaijão, Montenegro ou a Arménia.

Urge a mudança.

Nuno Soares



3 comentários:

  1. É tão simples como isso. Não podemos ganhar, senão Portugal terá de realizar a próxima edição. E sabem qual o custo para o país organizar um evento daqueles ?????!? milhoes.. Basta ver os cenários...so por aí...Ah pois é.

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    1. Tem que ser essa a desculpa caro anónimo, de certeza. A lista de países falidos à conta da organização de um festival eurovisão da canção só é comparável ao arsenal de armas de destruição maciça de Sadam Hussein. Há que ter cuidado com isso. E com o sol também que diz que queima.

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  2. Muito obrigada pelo comentário que fez no meu blog :)
    Beijinhos

    http://beautifullsecrets.blogspot.pt/

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